sábado, 6 de novembro de 2010

Submundo, Subvida*

Na porta da sala em que fomos recebidas pelo setor de psicologia do presídio, Márcia (nome fictício) esperava, visivelmente consternada, pela sua vez de falar. Há poucos metros de distância era possível perceber a amargura que tinha o seu semblante. Mãos trêmulas e calejadas, olhar curioso, impreciso e amedrontador, postura agressiva como se quisesse, naquele momento, “pular em cima do pescoço” de quem ousasse a contrariá-la, aquela mulher conhecia de cor aquele ambiente e aceitava resignadamente a consequência maior de seus erros: o cárcere.

No momento em que se viu sentada naquela cadeira, frente a frente com a sua história de vida, Márcia hesitou em falar. Talvez por medo, talvez por vergonha do seu passado. A verdade é que por trás daquela mulher que impunha medo, estava uma pessoa que apenas se limitava a responder as perguntas que fazíamos.

Há quatro anos Márcia está naquele lugar. A família? Não a apóia, não sabe que rumo sua vida tomou. Filhos? Tem quatro, todos espalhados por algum lugar de Garanhuns, sua terra natal. Márcia procura não pensar neles para não sofrer mais, como ela diz.

Márcia conquistava seu sustento dignamente, era faxineira na cidade de Garanhuns, onde morava. Ainda na juventude (não quis entrar em detalhes) conheceu e se apaixonou por Marcos (nome fictício), que era viciado em drogas. Por intermédio de Marcos, Márcia conheceu o “sub mundo” das drogas e tornou-se também uma viciada.

Inicialmente os dois apenas usavam a droga para o sustento do vício. Depois viram na comercialização do produto uma oportunidade de ganhar dinheiro mais facilmente do que vinham ganhando até então. Márcia sabia que aquilo que estava fazendo era errado, todavia a ânsia por consumir drogas vinha aumentando e os sinais de sua decadência se mostravam cada vez mais evidentes.

Depois de ter formado junto com Carlos uma quadrilha que fornecia drogas para diversas regiões de Pernambuco, Márcia foi presa e condenada a 13 anos e 6 meses de reclusão por formação de quadrilha e tráfico de drogas.

Há dois anos Márcia não recebe visitas de ninguém, está sozinha no seu mundo e na sua realidade. Com a voz enrolada como se quisesse chorar, Márcia disse ser muito grata a Deus que, apesar das falhas que ela cometeu e comete, tem protegido-a e ajudado-a viver naquele lugar que é um “verdadeiro inferno”.

Márcia não culpa a sociedade e nem sua família. Atribui toda a responsabilidade de estar privada de liberdade a si mesma e ao seu vício destrutivo:

- A vida aqui dentro não é boa, mas eu quem procurei viver desta maneira, tenho que cumprir o que a justiça me ordenou, desabafou.

No momento em que falava sobre seus filhos, Márcia pediu à psicóloga para fazer uma ligação para um deles para matar a saudade, já que fazia dois anos que não tinha notícia deles. No presídio, procura não pensar no futuro. Não sabe que rumo vai tomar sua vida depois que sair dali. Não tem onde morar e nem sabe o que vai fazer.

Por trás das grades, apesar de ser mais fácil do que se imagina conseguir drogas, Márcia vinha procurando não mais usá-las. Estava tentando se libertar do vício que a colocou encarcerada. Não resistiu.

Tinha acabado de ganhar 37 saídas devido ao seu bom comportamento e já estava até trabalhando fora do presídio. A vida lá fora era boa, Márcia sentia-se livre, mesmo sabendo que no final do dia teria que voltar para aquela vida que ela tanto abominava. Foi quando voltou a usar drogas, mesmo sabendo que isso traria para ela seriíssimas consequências.

Todo dia, antes de voltar para o presídio, Márcia usava o seu crack, depois que saía do serviço. Sua vida era agora essa: de manhã saía para trabalhar, no fim do expediente usava sua droga:

- Ora, que mal faria eu usar meu “bagulho”, eu voltaria para o presídio no fim do dia..., disse Márcia com o olhar fixo em nós.

As coisas não ocorreram como Márcia previa. Ela jamais imaginaria que levar drogas para dentro do presídio para seu uso próprio (segundo ela), implicaria em um agravante na sua sentença. Ingênua ou não, Márcia via, na possibilidade de comprar drogas fora para usar dentro do Bom Pastor (ou também para vendê-las), um escape para esquecer daquela dura realidade em que ela vivia.

Foi autuada em flagrante na frente do presídio, em posse de maconha e crack, agravante determinante no aumento de sua pena. A culpa?

- A culpa é do vício. Caí no erro por não saber dizer não a esse vício que só tem me destruído.

Márcia ainda não sabe em quanto tempo sua pena aumentou e disse não querer mais saber de drogas.

Seu futuro ainda é incerto e planos não existem. Decerto os anos tenham que passar para esta mulher. Decerto Deus a ajudará a cumprir sua sentença, já que o único plano que ela faz para o futuro é sair do presídio e procurar uma igreja evangélica para “contar sua história.”

*Este texto é parte integrante do livro "A casa de grades cor-de-rosa", escrito por mim e duas amigas no fim do ano passado. O livro retrata o cotidiano das apenadas da Colônia Penal Feminina do Recife (Bom Pastor)

Nenhum comentário:

Postar um comentário