terça-feira, 27 de julho de 2010

Desencontro


E ele chegou como quem não queria nada e foi ficando, ficando. Quando ela caiu em si, ele já tinha tomado conta de sua vida. Todos os seus pensamentos eram para aquele rapaz que ela acabara de conhecer. O jeito de ele falar olhando nos olhos, aquele sorriso escandaloso, toda aquela educação e a delicadeza com que ele a tratava a fascinaram por completo.

Ela tinha acabado de sair de um relacionamento em que imperavam o ciúme e a desconfiança e aquele bom rapaz tinha aparecido num ótimo momento. E ela estava perdidamente apaixonada, mas era dona de uma personalidade forte e fazia questão de não demonstrar seus sentimentos. Ingênua.

Tanto não demonstrou, que o perdeu. Na verdade, ela nunca o teve. Para aquele rapaz, ela era fruto das suas projeções irrealizadas. E não vingou. Cada um para o seu lado, cada um com as suas culpas. Ela, durona. Ele, sensível. Os dois juntos, separação. Ele longe dela, saudade. Ela distante dele, amor.

A vida tem dessas coisas. O que se há de fazer?

domingo, 25 de julho de 2010

Bandeira

Arte de Amar

Se queres sentir a felicidade de amar,esquece a tua alma.
A alma é que estraga o amor. Só em Deus ela pode encontrar satisfação.
Não noutra alma. Só em Deus - ou fora do mundo.
As almas são incomunicáveis.
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo,
porque os corpos se entendem, mas as almas não.

(Manuel Bandeira)

Ps: Depois Zeca Baleiro compôs "Alma Nova" e falou, com outras palavras, o que Manuel Bandeira tão lindamente escreveu nesta poesia. A arte é mesmo atemporal...

sábado, 24 de julho de 2010

Da esperança


Naquele local, a vida parece não fazer sentido. Viver é pretensioso demais, até. É preciso resistir, esperar que os dias e as horas passem mais rápido do que em qualquer outro lugar do mundo. Mais difícil ainda é almejar para o futuro uma existência com mais dignidade.
Ali, no meio daquela rua cheia de lama e escombros de um cenário que ajudava a compor histórias de vida, estava a personificação da melhor fase da existência humana: a infância. E esta meninice tinha no rosto a delicadeza de um sorriso sincero e as marcas doloridas da pobreza. A rua e suas milhares de histórias perdiam-se na vida e na história daquela menina tão doce e tão perspicaz, e era impossível não vê-la naquela multidão.
Há um mês a população da cidade de Barreiros “sobrevive”. A água arrastou uma cidade inteira. Da vida da menina restaram apenas memórias e seus familiares procuram no meio das ruínas e do lixo uma maneira de manterem-se vivos.
Para minimizar a dor daquela gente que perdeu tudo numa enchente e em um “junho” que jamais será esquecido, pessoas de todo o estado de Pernambuco e de outros estados do País arrecadam esperança e mobilizam-se para reconstruir a vida dos barreirenses que carregam a tragédia estampada nos olhos.
Desta vez chegara até a área mais atingida da cidade um caminhão abarrotado de frutas. A menina, que aparentava ter cerca de oito anos, correu em direção ao veiculo como se este estivesse carregado de brinquedos e doces. Ao lado dela estava seu irmão mais novo descalço e descamisado, esperando pela hora em que sua irmã, que mais parecia sua mãe, conseguisse apanhar uma melancia, algumas bananas e tomates para saciar sua fome.
E a luta pela sobrevivência era visível nos gestos daquelas duas crianças que, mesmo pequenas, não se amedrontavam com as pessoas mais velhas e também famintas, que se digladiavam por uma fruta a mais.
Diante da visão de pessoas que mais pareciam animais numa selva é impossível não se surpreender. Aquele era um universo paralelo próximo e distante ao mesmo tempo, difícil de entrar e mais ainda de sair. Para aquela menina que teve parte de sua infância misturada com tamanha tragédia, ser criança não faz sentido. Há que se sobreviver e a sobrevivência não espera a maior idade.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Fanatismo

Minh'alma de sonhar-te anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver
Não és, sequer, a razão do meu viver
Pois, que tu és já toda a minha vida
Não vejo nada assim, enlouquecida
Passo no mundo, meu amor, a ler
O misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida
Tudo mundo é frágil, tudo passa
Quando me dizem isso toda a graça
Duma boca divina, fala em mim
E, olhos postos em ti,
Vivo de rastros
Podem voar mundos, morrer astros
Que tu és como um deus: princípio e fim.

(Florbela Espanca)

Amo esta poesia. Amo mais ainda a versão musicada por Fagner.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O grande


E o dia dele começava quando todos ainda dormiam. O sol nem chegava a dar o “ar de sua graça”. O quarto sempre escuro. Ouvia-se apenas o barulho das aves no céu. “Que inferno, o despertador já tocou!”, eram as primeiras palavras que ele dizia assim que acordava. Olhava para o teto e para as paredes como se quisesse desenhar tudo à sua volta e, rapidamente, corria ao banheiro a fim de tomar banho para ir à faculdade.
Exatamente às 4h da manhã, aquela água fria do chuveiro arrepiava-lhe até o último fio de cabelo. Enquanto a água escorria pelo seu corpo, cantarolava um trecho daquela música que, na noite anterior, dormira ouvindo.
Caçava no seu guarda–roupas uma camisa de malha, calça jeans e tênis. Depois que tomava seu café da manhã , apanhava o ônibus que o conduzia ao seu destino diário. A viagem era longa, mas a distância para a concretização dos seus objetivos era suavizada a cada dia, em cada quilômetro percorrido. E graças a esta maratona diária, eu o conheci. Conheci-o na faculdade, no curso de jornalismo, e tive a sorte de tê-lo por perto nos melhores anos da minha vida.
E ele sempre estava disposto a aconselhar seus amigos e ouvir os problemas de todos, inclusive os meus. Já perdi as contas das vezes que chorei com a cabeça encostada no ombro dele. Tem as mãos mais macias que eu já vi. O cafuné que ele faz cura todo tipo de tristeza e, ouso a dizer: cura doenças.
Sabe aquelas pessoas que sempre têm a palavra certa no momento certo? A amizade para mim ganhou um sentido diferente depois que o conheci: É estar perto simplesmente por querer estar perto, por saber que, junto dele, nada de mal podia me acontecer; é simplesmente entender que mesmo quando estamos distantes fisicamente estamos unidos por um laço indissolúvel. É um bem-querer desmedido e que me faz chorar de saudade quando não ouço a sua voz me falando coisas sérias, futilidades. É minha paz, meu apoio, minha confiança e meu portosseguro.
É ele, o menino vitoriense. O melhor amigo. O meu amigo Alexandre. E eu o amo tanto que receio não poder abrigar tamanho sentimento dentro do meu peito. Imaginar a vida sem ele seria como tirar algumas cores dos meus vinte e poucos anos. Queria colocá-lo numa redoma para que mal nenhum o acometesse.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Será que todo mundo depois que casa tem que passar por isso?

A História de Lily Braun
Composição: Edu Lobo/Chico Buarque

Como num romance
O homem de meus sonhos
Me apareceu no dancing
Era mais um
Só que num relance
Os seus olhos me chuparam
Feito um zoom
Ele me comia

Com aqueles olhos
De comer fotografia
Eu disse xiiiis
E de close em close
Fui perdendo a pose
E até sorri, feliz

E voltou
Me ofereceu um drinque
Me chamou de anjo azul
Minha visão foi desde então
Ficando full
Como no cinema

Me mandava às vezes
Uma rosa e um poema
Foco de luz
Eu, feito uma gema
Me desmilinguindo toda
Ao som do blues

Abusou do scotch
Disse que meu corpo
Era só dele aquela noite
Eu disse please
Xale no decote
Disparei com as faces
Rubras e febris
E voltou

No derradeiro show
Com dez poemas e um buquê
Eu disse adeus
Já vou com os meus
Numa turnê
Como amar esposa

Disse ele que agora
Só me amava como esposa
Não como star
Me amassou as rosas
Me queimou as fotos
Me beijou no altar

Nunca mais romance
Nunca mais cinema
Nunca mais drinque no dancing
Nunca mais cheese
Nunca uma espelunca
Uma rosa nunca
Nunca mais feliz

PS:Se casamento for assim, não quero casar para não ter o mesmo fim que teve Lily Braun.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

...

"Saudade torrente de paixão, emoção diferente que aniquila a vida gente; uma dor que eu não sei de onde vem..." Às vezes acordo assim, me sentindo exatamente como está descrito nos versos desta música. E saudade dói, fere, machuca e entristece. Ainda bem que meu dia está terminando...

O lado ruim da democracia

Mudar. Foi com este propósito que o povo brasileiro elegeu Lula pela primeira vez, em 2002. Ele era a esperança de toda uma nação aprisionada pelas desigualdades sociais e culturais que se alastravam por séculos e décadas no nosso país. Nas ruas, o grito era o da transformação. A forma de se fazer política iria mudar, as prioridades iriam ser outras. Os políticos de esquerda sempre foram vistos como “revolucionários” e, para a população, com o petista não seria diferente.
Depois de mais de vinte anos de ditadura militar, estagnação econômica e oito anos de uma ofensiva política neoliberal, o país finalmente teria a oportunidade de crescer e romper com tudo aquilo que o ultrajava. Muitas eram as expectativas sobre quais seriam as medidas que Lula iria tomar para resolver os problemas da saúde, falta de emprego, violência, inflação, dentre outros.
O novo presidente teria uma árdua tarefa pela frente: conseguir atender aos apelos dos seus eleitores desejosos de um país mais justo e humano. Não tardou muito para que, em seu primeiro mandato, houvesse alguns escândalos políticos com os seus “homens de confiança”, o que levou alguns dos que julgavam o partido como “acima do bem e do mal” a entenderem, de uma vez por todas, que a máquina pública é difícil de ser gerida e mesmo Lula, não seria o “super homem”, como todos esperavam que ele fosse.
Mesmo assim, os acertos superaram os erros e o ex-torneiro mecânico foi reeleito com um número de votos muito superior em relação ao segundo colocado, Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo. Tendo como bandeira de luta a manutenção das conquistas de seu primeiro mandato que, via de regra, não foram poucas, Lula voltou a assentar-se na cadeira presidencial sob ameaça de manifestações a favor de sua renúncia.
O início de seu segundo mandato foi marcado por conquistas significativamente importantes para a evolução do nosso país. Em vários sentidos, as condições são bem mais favoráveis do que na época do governo de Fernando Henrique Cardoso, por exemplo. Além disso, a favor do governo do PT, ocorreram profundas mudanças na América Latina nos últimos anos.
Em 2003, só havia um governo progressista na região, o de Hugo Chávez. Nos demais países latino-americanos a relação com os Estados Unidos era de total dependência sócio-política. Hoje, os países estão unidos em prol de tornarem-se independentes da política norte-americana e usam o Brasil como exemplo desta “quebra de laços”.
A oposição foi obrigada a reconhecer os méritos de um presidente como Lula. É praticamente incompreensível ser contrário a tanto desenvolvimento. A democracia existe e tem que ser cumprida e, infelizmente, o petista não poderá mais ser candidato nas próximas eleições.
Cai por terra aquele ditado que diz que “em time que está ganhando não se mexe”. Veremos o nosso país, a partir de 2011, nas mãos de outro governante e aí, todos os medos e angústias que tínhamos, voltarão. E, ao que tudo indica, voltaremos a viver sob a égide do neoliberalismo.
A menos que o próximo presidente reconheça os méritos do governo que está chegando ao fim, teremos que conviver com o retrocesso econômico e político, e é aí que reside o lado ruim da democracia. Lula merece todos os méritos que houverem. Merecia ser eleito quantas vezes fossem necessárias porque ainda existem dificuldades que precisam ser solucionadas.
Resta a nós, brasileiros, torcer para que se faça jus ao que foi conquistado a nosso favor. Lula vai, mas ainda continuará presente na memória de todos como um exemplo de Chefe de Estado. Dificilmente outro político será tão popular quanto o pernambucano e isto têm uma razão de ser: Jamais, político algum no Brasil, soube ouvir e atender tão bem aos anseios do povo!

sábado, 17 de julho de 2010

Homenagem ao mestre...


Definitivo



Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.
Sofremos por quê?
Porque automaticamente esquecemos o que foi desfrutado
e passamos a sofrer pelas nossas projeções irrealizadas,
por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido
ao lado do nosso amor e não conhecemos,
por todos os filhos que gostaríamos de ter tido junto e não tivemos,
por todos os shows, e livros, e silêncios
que gostaríamos de ter compartilhado e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados pela eternidade.
Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco,
mas por todas as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema,
para conversar com um amigo, para nadar, para namorar.
Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco,
mas por todos os momentos em que poderíamos
estar confidenciando a ela nossas mais profundas angústias
se ela estivesse interessada em nos compreender.
Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.
Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro
está sendo confiscado de nós impedindo, assim,
que mil aventuras nos aconteçam, todas aquelas
com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.
Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer
por termos conhecido uma pessoa tão bacana
que gerou em nós um sentimento intenso
e que nos fez companhia por um tempo razoável,um tempo feliz.
Como aliviar a dor do que não foi vivido?
A resposta é simples como um verso:
Se iludindo menos e vivendo mais!
A cada dia que vivo, mais me convenço
de que o desperdício da vida está no amor que não damos,
nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca,
e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade.
A dor é inevitável. O sofrimento é opcional...


(Carlos Drummond de Andrade)


* Com fé em Deus, um dia chegarei neste nível. Drummond foi um gênio. O melhor poeta brasileiro, sem sombra de dúvidas. Queria ter tido o privilégio de tê-lo conhecido. Seria uma graça maravilhosa!

sexta-feira, 16 de julho de 2010

E eu fui mais feliz...




A segunda-feira passada foi mais feliz do que as outras. A minha vida, naquele dia, teve um colorido todo especial. Era dia 12 de julho, aniversário da minha amiga Aninha. Fomos até a casa dela, a convite de sua mãe, para fazermos uma surpresa em comemoração às suas 22 primaveras.
Era um dia chuvoso, uma noite aparentemente triste. O cansaço tomava conta de mim. Tinha trabalhado durante todo o dia e minha cabeça estava a ponto de explodir de tanta dor, era como se o peso do mundo estivesse sobre mim. Mesmo assim, não poderia deixar de prestigiar minha amiga num dia tão especial.
Aninha não sabia de nada. Sua mãe e primas tinham cuidado para que tudo saísse perfeito, para que ela tivesse um aniversário feliz, uma feliz comemoração. Como toda boa menina, gosta de surpresas.
Combinei com outra amiga de não a contatarmos excepcionalmente no dia de seu aniversário, para que ela achasse que havíamos esquecido, ingênua que é. Como posso esquecer-me de quem está comigo sempre em pensamento, em orações, nas músicas que eu ouço, nos programas de TV que assisto... Mas conhecendo-a como conheço, deduzi que pensaria desta forma.
E estávamos todos lá, esperando pelo momento em que ela aparecesse para cantarmos, em coro, aquele famoso “parabéns para você, nesta data querida”. Mas como demorou a chegar aquela menina...
Como é costumeiro em todo aniversário surpresa, uma pessoa tem que sair para distrair o aniversariante enquanto se organiza o local da festa. Pedrinho, irmão de Aninha, foi responsável por esta tarefa. E as horas avançavam, a inquietação já tomava conta de todos os presentes quando, de repente, surge Aninha. Sua mãe havia me dito que ela estava triste por achar que não haveria comemorações no dia do seu aniversário já que, numa segunda-feira, os bares fecham mais cedo, as pessoas trabalham mais cedo no dia seguinte e por aí vai.
Finalmente chegou o motivo da comemoração, VIVA! E ela sorriu de felicidade quando ouviu a palavra “surpresa” da boca de seus convidados. Cumprimentou, de um por um, todos os que estavam presentes. E nós? Eu vinda do trabalho e tendo que voltar cedo para casa; Eduarda por ter que também voltar cedo por morar longe como eu; Adriana e Marcela que, mesmo não morando tão longe quanto nós, também teriam que voltar de ônibus. Aninha não tinha nos visto ali, escondidas atrás da escada.
É engraçado como às vezes precisam acontecer coisas simples para que nós entendamos a importância que as pessoas têm em nossas vidas e o quanto somos importantes para elas. Para mim que não estava num dia bom, saber que sou importante para alguém do jeito que Aninha demonstrou que eu sou para ela, foi a coisa mais linda e significativa: Ela nos viu e chorou. Vou me lembrar sempre daquele choro quando me sentir triste, sem importância. E passei a dar valor às coisas mais simples e puras da vida. A amizade de uma melhor amiga por mais que seja expressa em palavras, não traduz o tamanho desse amor que, certa vez, disseram que nunca morre. Foi o choro (é claro que eu também chorei) mais feliz da minha vida!

Poesia de Gilberto

Linda música de Gilberto Gil, a minha preferida:

Drão!
O amor da gente
É como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar
Plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão
Nossa semeadura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela estrada escura...
Drão!

Não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão
Estende-se infinito
Imenso monolito
Nossa arquitetura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Cama de tatame
Pela vida afora
Drão!

Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão:
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão
drão!
drão!

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Há tanta vida lá fora..*

Já passava das nove horas da manhã e o bairro do Engenho do Meio ainda estava “amanhecendo”. O sol já tinha mostrado os seus primeiros raios de luz e a vizinhança parecia ainda estar dormindo. Mesmo na Rua Bom Pastor, uma das mais conhecidas do bairro, o único movimento que se via àquela altura era o de um ou outro carro barulhento. E assim foi durante toda manhã.
Apesar de os dias de segunda-feira serem calmos em quase todas as partes do mundo (por certo devido aos resquícios do fim de semana), aquela tranquilidade parecia não ser habitual. Na esquina, apenas uma “barraquinha”, um protótipo de barzinho que, segundo o proprietário, já existe há mais de 30 anos.
O CD de Roberto Carlos parecia “tocar para ninguém” e nem as crianças que estavam saindo de uma escola localizada um pouco mais adiante (em frente à Colônia Penal Feminina do Recife, o Bom Pastor), pareciam querer comer as guloseimas da venda de “Seu Manoel”. O bar estava vazio.
O fato de naquela localidade situar-se uma casa de detenção feminina não influencia no dia-a-dia e na rotina dos moradores do Engenho do Meio e dos bairros próximos. A realidade é que aquela edificação datada de 1924 (época em que foi fundado um convento católico, o Asilo Bom Pastor, que posteriormente teve parte de seu terreno cedido para a construção do presídio em 1943) com paredes amareladas e uma fachada que em nada lembra a de uma colônia penal, esconde da sociedade o que muitas encarceradas chamam de “inferno”.
A unidade prisional abriga mais de 700 detentas, apesar de ter sido construída para acolher apenas 150 mulheres. A aparência aconchegante e calma do local, nem de longe é semelhante à realidade em que vive estas mulheres.
Cada novo visitante que adentra pelos portões do Bom Pastor sente na pele um misto de medo e insegurança. Pelos corredores, muitas mulheres aparentemente sofridas; algumas carregam seus filhos – estes sim, inocentes - nos braços, outras apenas sentem-se satisfeitas por transitarem livremente pelos corredores da casa de detenção.
Aos olhos de quem está alheio àquela realidade, tudo parece incomum, irreal. Os olhares e gestos daquelas mulheres chegam a atemorizar quem quer que seja. As feições se confundem: ora elas sentem medo, ora parecem querer “matar com os olhos” quem insiste em olhá-las, como uma autodefesa.
Homens e mulheres, agentes penitenciários, psicólogos, advogados, todos se misturam pelos corredores estreitos do presídio. Alguns poucos sorrisos ainda se veem, mas bem maior é a quantidade de “caras amarradas”, pessoas de mau humor que tentam impor desta maneira, respeito e autoridade.
Despenteadas, desdentadas e mal vestidas, as mulheres do Bom Pastor externam, com a falta de cuidado e higiene consigo mesmas, o que sentem por estarem longe e segregadas de tudo e de todos. Talvez seja isto uma autopunição.
O que os responsáveis pelo presídio chamam de “cela”, são pequenos cubículos onde vivem amontoadas, sem o mínimo de dignidade (sim, dignidade) mais ou menos doze mulheres. Vida? Não! Subvida, sobrevida, seriam as palavras mais adequadas. O ambiente que deveria ser o ideal para o que se propõe efetivamente é apenas mais uma cadeia sem o mínimo de segurança.
Os “olheiros” são cinco agentes penitenciários, que têm que “se virar em mil” para dar conta de tantas mulheres que embora se digam vítimas, são culpadas e perigosas, pelo menos até que se prove o contrário.
Na porta de entrada, cinco agentes penitenciários riem, assistem TV e pedem para revistar as bolsas e documentos de todos os que entram e saem do presídio, como se já estivessem acostumados com aquela realidade. Nada os amedronta, nem mesmo as encarceradas criminosas, marginais e as ex detentas que, vez por outra, fazem visitas às suas ex amigas/companheiras de cela.
Na frente do presídio, mães, pais, irmãos e irmãs das detentas aguardam ansiosos pelo momento em que as grades serão abertas. Muitas destas pessoas estão ali para saber notícias ou simplesmente para levar uma “comidinha gostosa” para as internas.
Meio – dia. O barzinho de “seu Manoel” agora já toca músicas sertanejas. Três rapazes dividem alegremente uma “loira gelada”, as crianças jogam futebol em um campo improvisado dentro de uma pracinha. Há tanta vida e liberdade fora do Bom Pastor...

* Este texto seria (porque foi cortado) parte integrante do livro-reportagem "A Casa de Grades Cor-de-Rosa", escrito por mim e mais duas amigas como Projeto de Conclusão do curso de Jornalismo. A reportagem faz um relato jornalístico sobre a Colônia Penal Feminina do Recife (Bom Pastor).

E eu a amo...


Dia desses, sentei-me defronte ao computador e, naquele ritual diário, acessei minha página do “orkut” para mais uma sessão de “não fazer nada e deixar o tempo passar”. Logo que entrei no site, tive uma surpresa : havia lá uma cartinha em forma de depoimento escrita por Duda, uma das minhas amigas mais queridas. Eis a surpresa:

Minha mordezinha,

Hoje é quinta-feira. Depois de alguns dias de sol a pino, choveu no Recife. Eu gosto da chuva, sabe? Acho bonito que só aquelas gotinhas caindo do céu, fico mais introspectiva também, refletindo no tanto de caminho que as gotinhas já molharam e ainda vão molhar algum dia. Eita mundão infinito, esse. Mais cedo dei de pensar como é louca essa vida, que afasta e aproxima as pessoas sem avisos prévios.
Faz pouco mais de um ano que a nossa amizade começou a crescer e tomar um sentido muito maior dentro de mim. Não lembro se foi um ano chuvoso, nem acho que isso seja importante agora.
Mas lembro das piadinhas internas, dos sorrisos desmedidos, das brincadeiras fora de hora. Era uma bobice só, nera não? Meninas nunca deixamos de ser, todas nós. Vai batendo saudade e eu quase fico triste, mas depois lembro que saudade é coisa que a gente só sente quando o que passou foi bom e volto a sorrir. Fico contente que haja tanta coisa a recordar e, mais ainda, tanta coisa a ser vivida. Prometo aplicar meu coração a essas vivências futuras. Acho importante, necessário até. Não sei mais imaginar a vida sem que estejas perto. Quero-te juntinho de mim para sempre, porque amizade tua é coisa boa demais de sentir.


Amor,

Duda.

PS: E tem como não chorar lendo isso?

Quando o cuidado é demais...

Sou filha única. Não por opção dos meus pais, mas por causa da vida. Minha mãe se casou com meu pai aos 27 anos, todos já a julgavam “velha demais” para casar. Para ter filhos, então, nem se fala. Até ela própria dizia que se fosse mãe, só teria um filho. E assim foi. Nasci em abril de 1988, um ano depois do casamento de meus pais. Depois disso, eles tentaram ter mais um filho. Minha mãe engravidou pela segunda vez, mesmo contra a sua vontade. Ela não gostava de engravidar e, depois do meu nascimento, tinha desistido da ideia. Minha irmã não chegou a nascer e o medo de mamãe realmente tinha fundamento: faltou pouco ou quase nada para que ela morresse de parto. Com dois anos de idade, eu ia ser órfã. Felizmente isso não aconteceu.
Acho que a superproteção deles aumentou com tudo isso. Mas esta história aconteceu quando eu tinha dois anos. E antes? Comecei a andar com um ano e meio. Meus primos, que tinham essa mesma idade, já andavam e até corriam. Meu pai tinha medo de me colocar no chão, tinha medo que eu caísse. Eram tantos medos da parte deles, que eu acho que por isso me tornei tão medrosa, tão insegura.
Meus pais sempre foram muito “cuidadosos”, como eles gostam de falar. Quando eu era criança, isso não me incomodava tanto. Depois que cresci, a coisa fugiu da normalidade. Todo mundo diz que isso é "coisa de pai que só tem um filho". Não acho que seja assim. Tenho amigos que também são filhos únicos e que não têm os pais tão "neuróticos" quanto os meus. Lembro-me que até uns seis anos atrás (hoje tenho 22), mamãe me apresentava às suas amigas como “meu bebê”. Como isso me chateava, meu Deus. Ela dizia: “minha filha, para os pais os filhos nunca crescem”. Ah, como eu queria que ela percebesse que eu já tinha 16 anos, que eu já não era mais uma criança.
Desde que nasci, moro em um município não muito grande. Na minha adolescência queria estudar na capital, respirar novos ares, conhecer novas pessoas. Muitas amigas minhas estudavam no Recife. Comigo era diferente. Meu pai me julgava muito criança para estudar longe de casa. Tinha medo que algo ruim acontecesse comigo no caminho de casa para a escola.
Passei toda a minha infância e adolescência ouvindo de todo mundo que eu era desastrada. Nem brincar de “queimado” eu podia, minha mãe não deixava, não queria que eu corresse para não cair e quebrar um braço. Uma vez, no jardim de infância, eu caí de um balancinho da escola, na hora do recreio. Minha mãe pensou que eu ia me “desmantelar” por causa da queda. A minha professora da época foi demitida. Mamãe exigiu que a escola o fizesse.
Aos 17 anos, entrei na faculdade. A preocupação maior dos meus pais não era o valor da mensalidade ou se eu ia me identificar com o curso. Eles tinham medo de que acontecesse alguma coisa comigo no trajeto. No começo, me pediram muito para eu mudar de faculdade e escolher uma que fosse mais perto de casa. Mas a ideia de liberdade me agradava tanto. Não que eu fosse fazer coisas que os pudessem envergonhar, longe de mim. Mas o sentimento de estudar em um lugar longe de casa, longe dos olhos deles, me fazia tão bem.
Às vezes me sinto tão criança, tão imatura aos 22 anos de idade. Sou tão dependente da minha mãe que é como se ela fosse inerente a mim, como se fosse uma parte do meu corpo. Não sei fazer nada contra a vontade dela e isso me incomoda. Nunca vivi aventuras, nem saí escondida dos meus pais. Creio que isso deve ser uma maneira de retribuir o zelo que eles têm por mim. Sim, zelo. Acho que essa é a palavra mais adequada.
Ainda assim, tenho medo da velhice. Tenho medo de não saber caminhar com minhas próprias pernas. Tenho medo do que pode me acontecer caso os meus pais me faltem. Eu queria ser forte, imponente, decidida. Queria que esse lado “filhinha do papai” desaparecesse completamente de minha personalidade. Acho que isso vai demorar. A culpa não é minha. Cuidado excessivo deixa a gente meio alienada, meio desligada da vida. Será que com 50 anos eu vou me sentir do jeito que me sinto hoje? Essa sensação de impotência me incomoda.
"O que mexe com a libido das mulheres não é a beleza física é a inteligência. Tanto que revista de homem nu só vende para gays." - Pedro Bial -

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Se bem que o mar às vezes muda...


“Sexo também é bom negócio. O melhor da vida é isso e ócio.” Quem me conhece sabe que esta assertiva está para mim assim como o queijo está para a goiabada ou o peixe para o mar. Quando ouvi pela primeira vez “Meu amor, minha flor, minha menina”, de Zeca Baleiro, uma das músicas que, na minha opinião, melhor descreve a relação amor/sexo, ainda não tinha atentado para a força da sexualidade. Força que se sobrepõe a todas as certezas, dúvidas, convicções e conceitos que possam existir.
Hoje, aos 22, considero-me bem mais liberta de preconceitos e ideias preestabelecidas do que aos 20, por exemplo. Mas ainda não como gostaria de estar. As necessidades surgem e as pessoas mudam para melhor ou para pior. Os desejos afloram-se. A concupiscência torna-se mais forte do que a razão e o que antes era um desejo futuro, passa a ser a nossa (ou pelo menos a minha) maior e mais incessante busca.
Não faz muito tempo, vivi. Atualmente, encontro-me morta, inerte. As lembranças do tempo em que estive viva é o que não me faz morrer por completo. Os desejos vêm e esvaem-se com a mesma intensidade. No auge da minha vitalidade achei que os desejos não deveriam se sobrepor à moralidade e, mesmo viva, morria por medo, culpa e pela famosa “reputação” que eu fazia questão de manter intacta, sem manchas. Estava viva, mas achava que a “vida” poderia esperar. Engano o meu.