quinta-feira, 15 de julho de 2010

Há tanta vida lá fora..*

Já passava das nove horas da manhã e o bairro do Engenho do Meio ainda estava “amanhecendo”. O sol já tinha mostrado os seus primeiros raios de luz e a vizinhança parecia ainda estar dormindo. Mesmo na Rua Bom Pastor, uma das mais conhecidas do bairro, o único movimento que se via àquela altura era o de um ou outro carro barulhento. E assim foi durante toda manhã.
Apesar de os dias de segunda-feira serem calmos em quase todas as partes do mundo (por certo devido aos resquícios do fim de semana), aquela tranquilidade parecia não ser habitual. Na esquina, apenas uma “barraquinha”, um protótipo de barzinho que, segundo o proprietário, já existe há mais de 30 anos.
O CD de Roberto Carlos parecia “tocar para ninguém” e nem as crianças que estavam saindo de uma escola localizada um pouco mais adiante (em frente à Colônia Penal Feminina do Recife, o Bom Pastor), pareciam querer comer as guloseimas da venda de “Seu Manoel”. O bar estava vazio.
O fato de naquela localidade situar-se uma casa de detenção feminina não influencia no dia-a-dia e na rotina dos moradores do Engenho do Meio e dos bairros próximos. A realidade é que aquela edificação datada de 1924 (época em que foi fundado um convento católico, o Asilo Bom Pastor, que posteriormente teve parte de seu terreno cedido para a construção do presídio em 1943) com paredes amareladas e uma fachada que em nada lembra a de uma colônia penal, esconde da sociedade o que muitas encarceradas chamam de “inferno”.
A unidade prisional abriga mais de 700 detentas, apesar de ter sido construída para acolher apenas 150 mulheres. A aparência aconchegante e calma do local, nem de longe é semelhante à realidade em que vive estas mulheres.
Cada novo visitante que adentra pelos portões do Bom Pastor sente na pele um misto de medo e insegurança. Pelos corredores, muitas mulheres aparentemente sofridas; algumas carregam seus filhos – estes sim, inocentes - nos braços, outras apenas sentem-se satisfeitas por transitarem livremente pelos corredores da casa de detenção.
Aos olhos de quem está alheio àquela realidade, tudo parece incomum, irreal. Os olhares e gestos daquelas mulheres chegam a atemorizar quem quer que seja. As feições se confundem: ora elas sentem medo, ora parecem querer “matar com os olhos” quem insiste em olhá-las, como uma autodefesa.
Homens e mulheres, agentes penitenciários, psicólogos, advogados, todos se misturam pelos corredores estreitos do presídio. Alguns poucos sorrisos ainda se veem, mas bem maior é a quantidade de “caras amarradas”, pessoas de mau humor que tentam impor desta maneira, respeito e autoridade.
Despenteadas, desdentadas e mal vestidas, as mulheres do Bom Pastor externam, com a falta de cuidado e higiene consigo mesmas, o que sentem por estarem longe e segregadas de tudo e de todos. Talvez seja isto uma autopunição.
O que os responsáveis pelo presídio chamam de “cela”, são pequenos cubículos onde vivem amontoadas, sem o mínimo de dignidade (sim, dignidade) mais ou menos doze mulheres. Vida? Não! Subvida, sobrevida, seriam as palavras mais adequadas. O ambiente que deveria ser o ideal para o que se propõe efetivamente é apenas mais uma cadeia sem o mínimo de segurança.
Os “olheiros” são cinco agentes penitenciários, que têm que “se virar em mil” para dar conta de tantas mulheres que embora se digam vítimas, são culpadas e perigosas, pelo menos até que se prove o contrário.
Na porta de entrada, cinco agentes penitenciários riem, assistem TV e pedem para revistar as bolsas e documentos de todos os que entram e saem do presídio, como se já estivessem acostumados com aquela realidade. Nada os amedronta, nem mesmo as encarceradas criminosas, marginais e as ex detentas que, vez por outra, fazem visitas às suas ex amigas/companheiras de cela.
Na frente do presídio, mães, pais, irmãos e irmãs das detentas aguardam ansiosos pelo momento em que as grades serão abertas. Muitas destas pessoas estão ali para saber notícias ou simplesmente para levar uma “comidinha gostosa” para as internas.
Meio – dia. O barzinho de “seu Manoel” agora já toca músicas sertanejas. Três rapazes dividem alegremente uma “loira gelada”, as crianças jogam futebol em um campo improvisado dentro de uma pracinha. Há tanta vida e liberdade fora do Bom Pastor...

* Este texto seria (porque foi cortado) parte integrante do livro-reportagem "A Casa de Grades Cor-de-Rosa", escrito por mim e mais duas amigas como Projeto de Conclusão do curso de Jornalismo. A reportagem faz um relato jornalístico sobre a Colônia Penal Feminina do Recife (Bom Pastor).

Um comentário:

  1. Deveria ter entradooo! Muito bem escrito, como tudo qye vc faz, mordezinha.
    Beijos

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