sábado, 24 de julho de 2010

Da esperança


Naquele local, a vida parece não fazer sentido. Viver é pretensioso demais, até. É preciso resistir, esperar que os dias e as horas passem mais rápido do que em qualquer outro lugar do mundo. Mais difícil ainda é almejar para o futuro uma existência com mais dignidade.
Ali, no meio daquela rua cheia de lama e escombros de um cenário que ajudava a compor histórias de vida, estava a personificação da melhor fase da existência humana: a infância. E esta meninice tinha no rosto a delicadeza de um sorriso sincero e as marcas doloridas da pobreza. A rua e suas milhares de histórias perdiam-se na vida e na história daquela menina tão doce e tão perspicaz, e era impossível não vê-la naquela multidão.
Há um mês a população da cidade de Barreiros “sobrevive”. A água arrastou uma cidade inteira. Da vida da menina restaram apenas memórias e seus familiares procuram no meio das ruínas e do lixo uma maneira de manterem-se vivos.
Para minimizar a dor daquela gente que perdeu tudo numa enchente e em um “junho” que jamais será esquecido, pessoas de todo o estado de Pernambuco e de outros estados do País arrecadam esperança e mobilizam-se para reconstruir a vida dos barreirenses que carregam a tragédia estampada nos olhos.
Desta vez chegara até a área mais atingida da cidade um caminhão abarrotado de frutas. A menina, que aparentava ter cerca de oito anos, correu em direção ao veiculo como se este estivesse carregado de brinquedos e doces. Ao lado dela estava seu irmão mais novo descalço e descamisado, esperando pela hora em que sua irmã, que mais parecia sua mãe, conseguisse apanhar uma melancia, algumas bananas e tomates para saciar sua fome.
E a luta pela sobrevivência era visível nos gestos daquelas duas crianças que, mesmo pequenas, não se amedrontavam com as pessoas mais velhas e também famintas, que se digladiavam por uma fruta a mais.
Diante da visão de pessoas que mais pareciam animais numa selva é impossível não se surpreender. Aquele era um universo paralelo próximo e distante ao mesmo tempo, difícil de entrar e mais ainda de sair. Para aquela menina que teve parte de sua infância misturada com tamanha tragédia, ser criança não faz sentido. Há que se sobreviver e a sobrevivência não espera a maior idade.

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