segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A Idade Média é aqui*


Há algum tempo, um fato interessante me ocorreu: minha prima de 11 anos perguntou-me como é possível uma mulher engravidar. “Como o bebê entra na barriga da moça”, perguntou ela. Eu tentei explicá-la da melhor maneira possível. Foi uma tarefa bastante complicada devido à facilidade de informações de que dispõe a maioria das pessoas, incluindo as crianças.
Não é muito difícil vermos nos dias de hoje, apesar do advento da internet e da explosão massificante dos veículos de comunicação, crianças como a minha prima. Afinal, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, a fase infantil dura até os dezessete anos. Pessoas que apenas passam por esta fase da vida sem vivê-la de fato, têm uma forte predisposição a apresentar distúrbios psicológicos decorrentes de um amadurecimento precoce.
Não muito raramente encontramos crianças que têm sua infância interrompida ou por ter que trabalhar muito cedo ou por terem sofrido algum tipo de abuso sexual, e é aí que reside grande parte das mazelas que tomam conta da sociedade. Crianças em condição de rua, aumento da criminalidade infantil e o aumento do consumo de drogas entre crianças e jovens, são as principais consequências de uma infância interrompida por violência sexual.
E por que não falar da violência de ordem sexual cometida contra crianças da mesma idade ou de idade inferior à da minha prima? E pior do que isso, o estuprador – ou aliciador – geralmente reside na casa da criança. Quando não são os pais, são irmãos, tios ou padrastos. Crimes desta magnitude poderiam ser condenáveis à prisão perpétua. Contribuir para a formação de indivíduos traumatizados e que podem ter um forte motivo para ingressar no mundo do crime é algo que não merece perdão.
Não estou falando do perdão da igreja ou dos familiares e sim do perdão da sociedade. É inadmissível que, na época de hoje, ainda existam marginais que praticam sexo com crianças. É inaceitável ver que as cadeias públicas não conseguem impedir que tais pessoas voltem ao convívio social e continuem praticando atrocidades deste nível.
Em Pernambuco um caso de abuso sexual teve repercussão diferente daquela que estamos habituados a ver em nossa sociedade: a incompreensão transformou-se em anátema
devido à incerteza do futuro de uma menina de nove anos. A criança foi molestada sexualmente por seu padrasto e engravidou. Ora, não é muito difícil prever o que iria acontecer com esta menina caso a gravidez fosse levada a diante. A família da menina optou pela sua vida e achou por bem que fosse feito um aborto. Aborto este, garantido pela Constituição Federal.
Com um discurso que já não apresenta efeitos e nem contribui para que o abortamento seja evitado, a Igreja Católica do Estado, na pessoa do Arcebispo de Olinda e Recife, condenou a interrupção da gravidez desta criança e excomungou, (prática da Igreja Católica muito comum na Idade Média, destinada à punição de pessoas hereges e irreligiosas), em nome da “defesa pela vida”, a mãe da menina e os médicos responsáveis por devolver a vida e a infância desta criança.
Será que esta pequenina sabia o que estava lhe acontecendo? Será que ela tinha consciência do que iria mudar na sua vida com a possível (ou improvável) chegada de mais um bebê para ela cuidar além de suas bonecas? Com certeza não. Se por obra do destino ela conseguisse sobreviver a esta gravidez e a este trauma, o que é praticamente impossível, pois o corpo de uma criança de nove anos não tem condições de gerar um filho, seria mais uma criança cuidando de outra e mais uma família desestruturada se formaria.
Simplesmente teríamos a troca de uma vida pela outra ou de nenhuma vida por nenhuma. Que fé é esta? Que dogmas são estes, que além de impedir que médicos exerçam sua profissão, os fazem pensar que estão sendo infiéis às leis de Deus? O que os médicos fizeram foi impedir a proliferação das mazelas sociais, e isto é política pública. O que a igreja fez sinceramente não teve muita importância. Não é excomungando todas as pessoas que trabalham para tentar implementar políticas sociais que vai se conseguir êxito na luta pelo direito à vida. O aborto não é uma prática acertada quando feito de maneira banal, mas em um caso como o da menina pernambucana é a melhor, mais sábia e irrefutável atitude a ser tomada.

* Texto também escrito na época da graduação, só que este é de 2009.

Um comentário:

  1. é um tema ,no qual nos faz refletir , de tão grande são esses problemas, que por mais "comuns" que sejam , é algo realmente deploravel , muitas sabemos que crimes como este acontecem ate dentro de casa , algo realmente triste , e realista .....
    parabens Cris , é algo bacana de expôr.....

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